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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

O sucesso meteórico do Secos e Molhados

espetáculo o Ney Matogrosso (https://www.instagram.com/p/BodN2YRA9P_/?taken-by=neymatogrosso)

,,,,,,,,corpo espontâneo e sem couraças como Whielm Reich gostaria de ver e, por ser solto, chacras soltos, todos, inclusive o da região do cerebelo (nossa TV interna),,etc etc...e segue link para os fãs que se interessam pela história do Ney, li o Moracyr do Val falando que no comecinho da década de 70 integrantes da gravadora Warner estiveram presentes a um show dos S e M e, tempos depois, aparece a banda Kiss,...o que sei é que a Kiss, que veio depois,  copiou a capa do disco, a lingua para fora, o cenario....vistual etc   

Segue dois artigos que vou postar aqui, até mesmo pq, com o tempo, tais sites são removidos e, com ele, boas informações sobre nossa história e nossa memória

O sucesso meteórico do Secos e Molhados

Não foi um sucesso qualquer. Foi um sucesso como nunca antes se vira, rápido, incrivelmente rápido, fulminante. Quanto é que seria possível imaginar, mesmo usando muita imaginação, que um conjunto há até pouco tempo desconhecido conseguiria bater o imbatível Roberto Carlos, até mesmo no mês de dezembro, o mês do lançamento anual do disco do então senhor e rei?
Foi realmente um sucesso grande demais. Tão grande que conseguiu mudar a vida de João Ricardo. E conseguiu, por isso, acabar com Secos e Molhados, exatamente – ironia – na triunfal semana do lançamento de seu segundo disco (em 1974, época em que este texto foi escrito).

É o que dizem os outros dois componentes do agora extinto grupo, Ney Matogrosso e Gérson Conrad.
Ney:
– Faz muito tempo que Secos e Molhados virou máquina de ganhar dinheiro. O trabalho que começamos a desenvolver agora está em último lugar na relação das prioridades. O que importa é quanto cada sorriso, cada entrevista, cada letra, cada música pode render em cruzeiros. E mais nada.
Gerson:
– O sucesso do grupo, principalmente o financeiro, em vez de incentivá-lo à criação, fechou suas portas para os compositores brasileiros. Afinal, é muito mais rendoso e de sucesso garantido inventar musiquinhas para textos de poetas famosos. Ele (João Ricardo) preferiu fazer parceria com Julio Cortazar, Oswald de Andrade e Fernando Pessoa. Foi graças a essa fórmula que, no primeiro LP, ele ganhou uma incalculável fortuna em direitos autorais. Com as músicas do novo disco, ele certamente vai ficar rico.
Fala-se que João Ricardo se recusou a gravar uma música feita por Caetano Veloso para Secos e Molhados. E outra feita por Luiz Melodia – compositor vigoroso, inventivo, aclamado pelos críticos mas de pouco ibope.
(Claro, não que seja negativo musicar poemas de Cortazar, Oswald de Andrade e Fernando Pessoa, e fazer ouvir Poesia do Oiapoque ao Chuí, do Rio Grande à Patagônia. Não que seja negativo. É simplesmente mais garantido, mais cômodo, mais seguro – e muito mais rendoso – do que fazer ouvir coisa nova, desconhecida e feita – principal defeito – por outras pessoas).
Secos e Molhados deu muito dinheiro. Quando o grupo surgiu, os lucros eram repartidos entre os integrantes do conjunto, mais o então empresário, Moracy Do Val. Marcelo Frias, baterista, o quarto integrante do conjunto (lembra-se de que na capa do primeiro LP eram quatro cabeças?), deixou o grupo por divergências quanto à sua orientação. Passou a acompanhar os outros três, ao fundo, sem fazer parte do conjunto. (Depois foi inteiramente abandonado; não participou de nenhuma das faixas do segundo LP).
Os lucros, então, passaram a ser repartidos entre quatro. Até que Moracy Do Val foi afastado, acusado de má administração. A firma que controlava os interesses do grupo, a SPPR, foi dissolvida, e em seu lugar surgiu uma nova, a S e M Produções. Essa nova firma tem um único dono: João Ricardo. Segundo Gérson Conrad contou ao Jornal da Tarde, João Ricardo teria proposto que Ney e ele, Gérson, participassem da firma como empregados.
Ainda segundo Gérson, a maior parte do que Secos e Molhados conseguiu em um ano de sucesso está em nome de João Ricardo e seu pai, João Apolinário, crítico teatral, poeta e autor da maior parte das letras do segundo disco do conjunto.
Ney Matogrosso e Gérson Conrad abandonaram o conjunto. Gérson pretende voltar para a Faculdade de Arquitetura (e diz que nunca deveria ter saído dela). Quando Ney deixou o maior fenômeno comercial da música brasileira, tinha apenas cem cruzeiros.
Fica João Ricardo, dono do nome Secos e Molhados.
Foi João Ricardo, com sua formação literária – muito mais literária do que musical, segundo ele mesmo admite – que forjou o grupo. Tanto que, às vezes, quando falava sobre Secos e Molhados, dizia eu, em vez de nós.
Foi ele que criou o nome Secos e Molhados, “um nome que não determina coisa alguma, que se abre para todos os gêneros”. Foi ele que, em 1971, descobriu Ney Matogrosso, ex-funcionário de um hospital em Brasília, ex-artesão que vendia suas pequenas obras na Praça da República, ex-ator de peças infantis, ex-cantor de coral. Foi ele que convidou Gérson Conrad, seu amigo de adolescência e vizinho do bairro Bela Vista, para participar do grupo.
Foi ele que deu a linha dos textos cantados pelo grupo. Foi ele que escolheu os poemas que seriam musicados, que compôs 12 das 13 músicas do primeiro disco e 12 das 13 do segundo.
Mas o que é Secos e Molhados, o conjunto que vendeu 800 mil cópias do LP de lançamento (para que sirva de comparação, Roberto Carlos, o maior vendedor de discos do país, vende cerca de 500 mil cópias de cada LP que grava), que lotou o Maracanãzinho, que lotou o teatro Treze de Maio durante 70 apresentações, que fez 6 mil pessoas disputarem os 700 lugares do Teatro Teresa Raquel no seu primeiro dia de apresentação no Rio, que gravou programas para a televisão mexicana, que vendeu discos pela América Latina afora, que absolutamente encantou a toda-poderosa Rede Globo de Televisão, que fez milhares de pessoas cantarem os versos cheios de insinuações de “O Vira”, que dominou as paradas de sucesso durante seis meses, sem parar?
Secos e Molhados é, antes de mais nada – antes mesmo que a linha fácil e comunicativa das composições dos dois LPs – a voz e a presença dos dois LPs – a voz e a presença da estrela Ney Matogrosso. É a voz de Ney – rara, “estranha”, belíssima voz de contra-tenor – que fica no ouvido, e marca o som do grupo. Nos shows, é a presença de Ney – esguia, vibrante, segura, com movimentos de uma cobra – que fica nos olhos, e marca a imagem do grupo.
E a base do som de Secos e Molhados é, antes de mais nada, a música de Gérson Conrad, um estudante de Arquitetura com formação musical clássica.
João Ricardo era a cabeça do grupo. Mas, sem as mãos, o rosto e a voz de Ney e de Gérson, para que serve a cabeça de João Ricardo, o dono do nome Secos e Molhados?
(Seria como, digamos, um conjunto chamado Beatles, formado por John Lennon e três pessoas que não Paul, George e Ringo.)
Quem mais perde com a morte de Secos e Molhados – mesmo que surja um novo conjunto com esse nome – certamente não é Júlio Cortazar, nem o nome de um Fernando Pessoa ou de um Oswald de Andrade.
Na realidade, o principal prejudicado parece ser o comércio. O comércio estava se dando tão bem com Secos e Molhados; vendia muito mais discos dele do que de Agnaldo Timóteo, Ray Connif, Frank Pourcel e todas essas coisas que dão muito dinheiro. Para o lançamento do segundo disco do conjunto, foi preparada uma campanha promocional como há muito não via (uma campanha que o primeiro disco, o LP de lançamento de um conjunto desconhecido, evidentemente não mereceu). Nos jornais, os anúncios mostravam a contagem regressiva: faltam 8 dias para o lançamento do novo disco de Secos e Molhados, faltam 7, faltam … Milhões de brasileiros veriam no domingo seguinte ao lançamento um tape do conjunto apresentando músicas do disco novo, no programa de horário nobre no dia nobre da emissora recordista de audiência no país. No cinema, filmes publicitários alertariam os consumidores sobre a boa nova.
Seria uma festa de cruzeiros. Afinal, antes mesmo de ir para as lojas, 300 mil cópias já haviam sido encomendadas. As temporadas de Secos e Molhados pelas grandes cidade do país fariam mais gente comprar disco, e ainda mais gente, quem sabe até alcançar o número mágico, lindo, inédito no país, de um milhão de cópias.
De repente tudo acabou. O disco venderá bem, claro – mas não tanto quanto poderia vender se o conjunto continuasse vivo.
(Pobre Continental. Ela é a gravadora brasileira que mais grava gente nova, desconhecida. Gravou, por exemplo, o primeiro – e até agora único – LP do importantíssimo Walter Franco, provavelmente o principal músico novo do país. Claro que o disco vendeu pouquíssimo. Assim como venderam pouquíssimos outros discos de compositores e cantores novos lançados pela gravadora. Secos e Molhados era a mina de ouro da empresa, um conjunto que compensava – financeiramente – as experiências com muitos outros grupos ou compositores novos. E a mina secou.)
Entre os grandes perdedores por causa do final do conjunto está certamente João Ricardo – como também João Apolinário, que trocara a crítica teatral pelo mais rendoso ofício de compor junto com o filho e empresariar o conjunto-fenômeno.
Gérson Conrad, de volta à Arquitetura, não parece muito prejudicado. Na semana de lançamento do segundo disco, depois de tomar a decisão de deixar o conjunto, ele dizia estar contente por voltar à escola que abandonara.
Quanto a Ney, esse dizia ao Jornal da Tarde:
– Agora estou de novo no lugar de onde o João Ricardo me tirou: na sarjeta. Graças a Deus. Mas tenho dormido e até sonhado, o que não me acontecia há um ano.
Sarjeta, naturalmente, é pouco mais que uma expressão literária. Não deverá demorar muito o lançamento de um disco de Ney Matogrosso, um cantor de voz clara e bela, que todos conhecem – provavelmente com músicas de gente importante como Milton Nascimento, Caetano Veloso e sabe-se lá quem mais.
E quanto à música brasileira, que é o que mais interessa, a perda realmente não é grande.
Não que o primeiro disco de Secos e Molhados seja ruim, nem que o segundo disco seja ruim. As falhas do primeiro – as falhas técnicas, de produção e gravação – foram corrigidas. O disco é bem feito e bem acabado. Não há nenhuma música ruim; são todas agradáveis, bonitas, bem executadas e maravilhosamente bem cantadas. Duas ou três são na verdade emocionantes, como “Tercer Mundo”, que João Ricardo fez para o poema de Cortazar, “O doce e o amargo” e “Preto Velho”, também de João Ricardo.
Mas o importante é que esse segundo disco mostrava a rota que o conjunto seguiria, se não tivesse sido desfeito. Pelo que o primeiro disco mostrou, e agora esse novo, é fácil perceber que Secos e Molhados não estava de forma alguma interessado em criar, inovar, inventar, mudar, crescer – como um Caetano, um Gil, um Chico Buarque, um Milton Nascimento.
Embora tanto João Ricardo quanto Gérson admitissem a influência dos Beatles, e embora o ex-empresário Moracy Do Val pretendesse fazer filmes com Secos e Molhados, criar uma etiqueta própria, como a Apple, e – quem sabe? – até conquistar o mundo, o conjunto na verdade não aprendeu a lição decisiva. Não entendeu a distância que vai de “I wanna hold your hand” a Abbey Road.
E, em vez de criar, o conjunto havia decidido – como mostra o seu segundo disco – repetir. Criado o som Secos e Molhados, ele se repetiria infinitamente, por discos e mais discos, sempre igual, sempre igual, até a saturação que parece não chegar nunca – está aí Ray Connif que não deixa ninguém mentir. Repetir – isso é certo, está provado – é garantido, é seguro, vende disco antes de o disco chegar às lojas, dá dinheiro. Só a música sai perdendo.
A historinha por trás do texto
Este texto foi publicado no Jornal do Objetivo, em setembro de 1974. Era o jornal laboratório da Faculdade de Comunicação do Objetivo, ou Instituto Unificado Paulista, hoje Unip, a universidade criada por João Carlos Di Gênio.
O texto sobre o Secos e Molhados saiu na última página da edição de setembro de 1974 – o jornal tinha 16 páginas!
Fiz três textos para o Jornal do Objetivo; além deste aí, escrevi uma matéria sobre Gonzaguinha e uma sobre a renúncia de Richard Nixon, historiando o escândalo Watergate. Este último, não sei por que cargas d’água, não guardei. Uma pena.
Sim, mas o que eu fazia em 1974 na Faculdade de Comunicação do Objetivo?
Pois é. A história é longa; não interessa a ninguém, mas gosto dela.
Em 1970, meu terceiro ano em São Paulo, fiz o cursinho pré-vestibular do Objetivo – cursinho extensivo, o ano inteiro. Começou num prédio pequeno na Liberdade, depois se mudou para o predião da Gazeta, no número 900 da Avenida Paulista. Em julho comecei a trabalhar no Jornal da Tarde; em janeiro de 1971, passei no vestibular da USP e entrei para a ECA, a Escola de Comunicações e Artes. A turma da ECA que fez o básico de 1971 era extraordinária; dali saíram grandes nomes do jornalismo, uns 30 caras muito mais brilhantes e importantes do que eu seria na profissão. Mas o curso era teórico demais, os professores eram teóricos demais; eu era dos poucos que já trabalhavam em jornal. Na metade do segundo ano, já trabalhando como copydesk, à noite, com aula de manhã, desisti. Achei que conseguiria o registro de jornalista por já estar trabalhando.
Mas em 1973 o Departamento Pessoal começou a pressionar pelo diploma, exigido pela lei da ditadura que regularizou a profissão de jornalista. O Objetivo tinha aberto a faculdade, os professores eram excelentes, os melhores da praça (vários tinham me dado aula no cursinho, e eu os admirava muito, como admiro até hoje), e então fiz meu segundo vestibular e comecei meu segundo curso de Comunicações.
Nem me lembro direito – acho que fiz até metade do segundo ano. Aí o saco estourou e desisti de novo.
Anos mais tarde, acho que em 1977, ou 1978 – de novo pressionado pelo DP, que era pressionado pelo Ministério do Trabalho –  fiz Cásper Líbero, no mesmo grande prédio sempre inacabado do Gazeta na Paulista. Quando estava no meio do segundo ano, saiu meu registro definitivo de jornalista profissional, e casquei fora do meu terceiro curso de Comunicações.
Não sou feliz portador de diploma universitário.
http://50anosdetextos.com.br/1974/o-sucesso-meteorico-do-secos-e-molhados/

Enntrevista 2:





O que começou primeiro em sua carreira, o jornalismo ou a produção cultural?Bom, acho que veio tudo junto. Eu estudava Direito na Faculdade do Largo São Francisco e na minha turma estava o pessoal do Teatro Oficina, José Celso Martinez Correa, Plínio Pimenta (primo do jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, que mais tarde se envolveu naquele triste episódio de assassinato), e vários outros. Eles tinham vindo de Araraquara e eram, por incrível que pareça, Integralistas. Eu não era Integralista; eu era de esquerda.
Você não era da turma de Araraquara?
Não, eu nasci em São Paulo, capital, em 1937, na Maternidade São Paulo, na Rua Frei Caneca. Meus avós maternos moravam na capital e meus pais moravam em Pindorama, cidade onde também nasceram outras pessoas maravilhosas… não que eu seja maravilhoso [risos]… como Marilena Chauí e Raduan Nassar. Nasci em São Paulo e cresci em Pindorama. Sou de formação protestante, aprendi a ler muito cedo, frequentei a Escola Dominicana, conheço a Bíblia mais que todo mundo. Acho que a minha paixão pelo cinema nasceu no Cine Rio Branco, ainda em Pindorama, onde eu ficava cortando e colando pedaços de celuloide na sala de projeção, ajudando o projecionista.
Igual a Cinema Paradiso?
Exatamente. Era incrível! O dono do cinema, assim como meu pai, era maçom, e nós éramos todos amigos, formávamos uma comunidade muito pequena onde todo mundo se conhecia. Foi neste cinema que eu vi filmes que me marcaram muito, desde seriados de aventuras, como Os Perigos de Nyoka e Império Submarino até clássicos como Tambores Distantes e um filme que me marcou muito, que foi Casei-me com uma Feiticeira, com Veronica Lake. Vi muitos, muitos filmes que me deram uma paixão grande por cinema. São filmes que a gente nunca mais esquece. Foi neste mesmo Rio Branco, o cinema da minha infância, que anos depois, agora como produtor, fiz a grande estreia da primeira versão de O Menino da Porteira, em 1975. Nunca aquele cinema viu tanto público: eram caminhões e caminhões carregados de pessoas que vinham da roça para ver o filme. Fiz questão de estrear o filme ali, por uma questão afetiva.
Quando você decidiu sair de Pindorama para vir a São Paulo?
Quando eu fiz 14 anos, eu e um colega, Munir Hagi, deixamos a cidade para estudar em São Paulo. Com a cara e a coragem, sem os pais, que ficaram em Pindorama, Entrei no Roosevelt, na Rua São Joaquim, que era um dos bons colégios da cidade. Lá fiz bons amigos, como Flávio Rangel, que também tinha vindo do interior, de Novo Horizonte. Sujeito muito culto, que veio a se tornar um dos maiores diretores de teatro do Brasil. Conheci o Flávio no Roosevelt e depois voltamos a nos encontrar na Faculdade de Direito onde, inclusive, reencontrei vários colegas de colégio, como Amir Haddad, outro grande diretor de teatro, e o agente e produtor Sérgio Dantino. Sergio, Amir, Flavio, eu e outros colegas montamos na São Francisco a peça O Noviço, de Martins Pena.
Na época do Roosevelt, você morava onde?
Numa pensão na Rua São Joaquim, em frente ao colégio. O dono da pensão era o Ipojucan, que jogava na Portuguesa, e foi considerado um dos maiores jogadores de futebol que o Brasil já teve. Quando ele entrou em decadência, foi ser dono de pensão. O Munir Hagi, não seguiu carreira artística e tornou-se um excelente advogado.
Quando você entrou no Largo São Francisco você já imaginava que iria seguir uma carreira artística ou pretendia mesmo ser advogado?
A carreira artística foi um caminho natural. Eu podia ter feito Letras, também, mas o Direito é ótimo, porque são coisas que você aprende para a vida toda. E a Faculdade de Direito do Largo São Francisco era assim mesmo, formou muito poeta, muito cineasta. Nelson Pereira dos Santos, por exemplo; Modesto Carone Neto, que fez Direito e fez Filosofia também, um sujeito inteligentíssimo que sabia alemão perfeitamente e traduziu as obras completas de Kafka. Na São Francisco tinha muitos poetas, e foi minha turma que fundou, mais ou menos em 1962 ou 63, o Grupo de Teatro Oficina. Nós montamos duas peças: Vento Forte para um Papagaio Subir, do Zé Celso, e A Ponte, do Carlos Queirós Telles. O Amir Haddad dirigiu e eu fui um dos intérpretes. Eu fazia um padre franciscano, imagina! [risos].
Quem mais estava no grupo que fundou o Oficina?
Eu, Amir, Zé Celso, Renato Borghi… e havia uma outra pessoa que não era da faculdade. Era um administrador, não lembro o nome. Alugamos o Teatro Novos Comediantes, na Rua Jaceguai, que depois se transformou no Teatro Oficina. Mas depois eu acabei saindo.
Por que?
Porque eu passei a me dedicar cada vez ao jornalismo, e não dava mais para fazer as peças. Quem me levou para o Jornalismo, para o Última Hora, foi o Marco Antonio Rocha, do Estadão. Eu ainda era estudante de Direito, no final do curso, e já fui direto trabalhar no Última Hora. Comecei cobrindo o movimento estudantil, estas causas bem de esquerda que o Última Hora sempre abraçou. Cobri muito movimento secundarista também, que era muito forte. Aquela época estava fervendo, tinha os congressos da UNE, UEE, UESP. Foi uma fase boa!
Quem eram os seus colegas, na época?
Bom, o Última Hora sempre formou grandes jornalistas. Tinha o cartunista Otávio, que fez uma charge com a Nossa Senhora negra que deu a maior confusão; Sílvio de Nardi; Renato Lombardi, um grande repórter policial até hoje; o Ziccardi, que foi cônsul; Benedito Ruy Barbosa, que ficou famoso escrevendo novelas para a televisão; David Auerbach, Jorge Aguiar, Arapuã, Pimenta da Veiga, trabalhei com todos eles. Além dos movimentos estudantis, cobria também a Prefeitura, onde peguei as épocas de Ademar de Barros, Prestes Maia e Faria Lima. Mesmo sendo repórter fixo do Última Hora, comecei também a fazer freelancers para outros veículos, como a Rádio Piratininga, Correio Paulista, Diário Popular, etc. E de repente eu tinha uns três ou quatro salários, todos pequenos. Aí um dia, o Fernando de Barros me chamou. Ele era um jornalista português, produtor de moda, escrevia críticas de cinema para a TV Tupi, fazia um monte de coisas, tinha tantas atividades que me pediu ajuda. Ele pediu que eu passasse a escrever a Show Business que era uma coluna que ele tinha no Última Hora sobre televisão, teatro, cinema e variedades. E eu comecei a escrever a coluna para ele, primeiro assinando como “interino”, depois como “M.V. interino” e depois com meu nome mesmo. E por causa da coluna passei a frequentar o ambiente do showbusiness, indo em estreias de peças, convivendo com o pessoal do teatro, da música, um pouco de tudo. E no meio daquele monte de jornalistas experientes no ramo, eu era o moleque besta da turma [risos].
Quem eram os experientes?
Décio de Almeida Prado, do Estadão, que tinha sido meu professor de filosofia no Roosevelt; Sábato Magaldi, também do Estadão, um jornalista maravilhoso; Miroel Silveira, Marcos Pacheco, Belmiro Gonçalves, só feras. E eu era o porra louca caçulinha no meio de todos estes monstros. E eles me acolheram super bem! Como eu passei a frequentar todo este meio artístico, além da Show Business comecei a escrever também uma coluna de fofocas do meio artístico para a Rádio Bandeirantes. Eu assinava com o pseudônimo de Abdalla e descia o cacete num monte de gente! [risos]. Mas ninguém sabia que era eu. Até que um dia eu estava no restaurante Gigetto, atrasado para levar minha coluna para a Rádio Bandeirantes, que ficava na Maria Paula, e o Armando Bogus me deu uma carona até lá. Naquela época ainda tinha que levar o texto pessoalmente. E ele percebeu que eu era o tal Abdala da coluna de fofocas da rádio [risos]. Mas não contou pra ninguém, não. Foi nesta época também que os Diários Associados me oferecem uma grana altíssima para eu escrever uma coluna de artes e espetáculos, mas eu recusei.
Por que recusou?
Recusei porque se eu fosse escrever uma coluna desta nos Diários Associados, certamente eu seria obrigado a escrever bem da rádio e da TV Tupi, e eu não queria entrar num esquema assim. Vieram o Walter Arruda e o Edmundo Monteiro, falando em nome da direção, pedindo que eu fosse pra lá, mas eu era muito chato, eu não fui. E não me arrependo, não. Recusei, e pouco tempo depois o Última Hora me dispensou porque assumiu lá o Armindo Blanco, que era crítico de teatro no Rio de Janeiro e começou a querer só proteger o pessoal dele. Não deu certo e eles me dispensaram.
Naquela época, como era o relacionamento da imprensa com os artistas?
Como jornalista, fiz grandes amizades com o pessoal do meio artístico. Cacilda Becker era muito minha amiga! Maria Della Costa, Sandro Polônio, Sérgio Cardoso, Bibi Ferreira, todos grandes amigos. O caso da Bibi inclusive foi muito engraçado. Ela brigou comigo porque na época eu escrevi na coluna que ela estava pensando em fazer uma convenção dos ex-maridos dela, de tantos que havia! [risos]. Ela ficou muito brava! Um dia eu estava tomando café num barzinho muito simples que tinha em frente ao TBC, na rua Nestor Pestana, ela apareceu lá e me chamou, reclamando do que eu tinha escrito. Depois disso a gente ficou muito amigo, porque ela era maravilhosa! Ela dava festas maravilhosas na casa dela, no bairro do Jabaquara, e abria o que tinha do bom e do melhor pra aquele bando de gente dura da classe teatral.
Antigamente o contato entre o jornalista e o artista era muito mais próximo, não?
Muito, muito. Todo mundo se encontrava no Gigetto. E naquela época nós tínhamos poucos teatros, era bem menos gente, não tinha assessor de imprensa no meio. Numa mesma mesa você encontrava Bibi Ferreira, Dercy Gonçalves, o Hilton Vianna dos diários Associados, todo mundo chegava junto. Procópio Ferreira era muito meu amigo também. Lembro que ele havia feito uma peça do Lauro César Muniz chamada Infidelidade ao Alcance de Todos. O elenco era Glória Menezes, Altair Lima, Francisco Cuoco, Rosamaria Murtinho, Procópio Ferreira e Rodolfo Maya. Olha que elenco: o melhor da nova geração com os melhores dos veteranos. E o Procópio era uma figura! Ele já tinha uns 60 anos e chegava no Gigetto sempre acompanhado de umas garotinhas bem novinhas. E aí chegava uma determinada hora ele falava: “Bem, vocês vão me dar licença porque já está tarde e eu preciso levar as meninas de volta pro Juizado de Menores” [risos].
Fez amizades com o pessoal de cinema também?
Claro, eu era muito amigo do Walter Hugo Khouri e do irmão dele, o William. Só que no Khouri eu dava cacete através do jornal. Os jornalistas daquela época só gostavam de filmes de esquerda, engajados, e o Khouri queria ser Bergman, queria ser Antonioni. Eu preferia mais o Glauber, o Cinema Novo, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra. E a gente descia o cacete no Mazzaropi também, que era outra figura maravilhosa.
Saindo do Última Hora você foi para onde?
Eu fazia tanta coisa, para tantos veículos ao mesmo tempo, que às vezes é até difícil dizer. Por exemplo, eu escrevia na revista Intervalo uma coluna chamada Por Dentro da TV, isso ainda quando a Abril era em frente à biblioteca Mário de Andrade, no centro da cidade. E uma vez eu dei um cacete no Manoel de Nóbrega e vieram reclamar que eu não podia falar mal dele, que ele era amigo do pessoal da Abril. “Ah é? Então estou fora!” E saí da Intervalo. Fiz muita coisa também na TV Record. Uma empresa que comprava horários na Record contratou o grande cantor Agostinho dos Santos para fazer um programa vespertino, e o Agostinho me chamou para dirigi-lo. Eu fazia o programa do Agostinho à tarde e o telejornal Record em Notícias à noite. E os telejornais da Record não tinham muito horário fixo para entrar no ar: se o programa que antecedesse o jornal fazia muito sucesso, eles esticavam o horário, e o jornal acabava entrando no ar meia noite, por aí. No dia que tinha o programa do Silveira Sampaio, que era um baita sucesso, o Record em Notícias entrava no ar depois da uma da manhã.
Você era redator do telejornal da Record?
Eu falava de showbusiness. Entrava no ar com o papel na mão, lia a matéria e jogava o papel no chão, pra marcar um estilo. Cada um tinha que marcar seu estilo. Clécio Ribeiro, por exemplo, que fazia o noticiário policial, terminava com o bordão “E basta isso!”.
Quem mais fazia o Record em Notícias naquela época?
Reale Jr. fazia Política – você não tem ideia de como ele era um sujeito bacana! –, Murillo Antunes Alves, Clarice Herzog… mas a redação parava mesmo quando chegava o grande craque Leônidas da Silva para falar de futebol. O Leônidas pra mim era tudo! O diretor era Fernando Vieira de Mello, que foi o maior jornalista que eu conheci. Lembro que eu me casei com a Sílvia Porto Alegre em 31 de março de 1964, exatamente no dia da grande rebordosa [risos], e o Fernando foi ao meu casamento. Tinha um monte de jornalista no meu casamento porque o pessoal queria ver se não iam me prender.
Mas o golpe foi de madrugada, não foi? Você se casou horas antes do golpe.
Mas já estavam prendendo gente, já havia esta movimentação e os jornalistas já estavam sabendo do movimento.
Onde foi o casamento?
Na Igreja Presbiteriana Independente da Rua Nestor Pestana, pertinho do Gigetto. Eu não ia sair de perto do Gigetto só pra me casar, né? [risos]. Depois que o Fernando morreu deram o nome dele para um túnel aqui em São Paulo que vive inundado; ele deve estar muito puto [risos].
E como era o programa com o Agostinho dos Santos?
Se chamava Encontro com o Agostinho. Só que muitas vezes ele não aparecia pra apresentar o programa, e eu mesma acabava fazendo as vezes de apresentador. E eu levava o Edu Lobo, o Chico Buarque… Gostava demais de produzir musicais. Durante uma época eu produzi na TV Excelsior o programa Ensaio Geral, ao lado de Roberto Palmari e Franco Paulino. Lembro inclusive que o Edson Leite, diretor da Excelsior, fazia de tudo pra barrar o Caetano Veloso no programa porque dizia que ele era muito feio e muito magro para aparecer na televisão [risos].
Como você foi parar no Notícias Populares?
Foi o próprio Jean Mellé, aquele romeno que fundou o jornal, que me levou pra lá, para que eu escrevesse no Notícias Populares basicamente a mesma coluna de variedades que eu fazia no Última Hora. Eu fui um dos fundadores do NP, junto com o Mellé e o Herbert Levy. E o engraçado é que as pessoas que liam minha coluna no Última Hora passaram a lê-la no NP, mas não gostavam de ler o jornal [risos]. Só que o Mellé começou a se meter no texto de todo mundo. Ele começou a fazer uma campanha contra o Roberto Carlos e passou a enfiar notinhas pequenininhas, contra o Roberto Carlos, nas colunas dos outros, inclusive na minha. Mas eu deixei quieto, mesmo porque era maravilhoso trabalhar lá. Tinha gente muito boa, como o repórter policial Ramon Gomes Portão, que escrevia grandes histórias da boca do lixo, fora que o NP era um enorme sucesso de um tipo de imprensa popular que hoje praticamente não existe mais. A concorrência do NP com o Diário da Noite era tão acirrada que, se na foto de um destes jornais aparecia por acaso o repórter do concorrente, o departamento de arte dava um jeito de retocar a foto, pintava óculos escuros ou barba no sujeito, para ele não aparecer no jornal concorrente [risos].
Mas mesmo o NP sendo totalmente popular, ele dava espaço para teatro e show business?
Dava muito espaço! E eu falava de peças sérias, escrevia para o NP da mesma forma como se eu estivesse escrevendo para o Estadão. Não tinha esta história de nivelar por baixo para acompanhar o público, de jeito nenhum. A minha coluna tinha, por exemplo, uma estreia de teatro ou cinema, um comentário e uma entrevista. Tinha muitos leitores! Você sentia a repercussão. Você sentia que uma peça de teatro acontecia porque saiu na coluna do NP.
Qual era o nome da sua coluna no NP?
“Moracy do Val Show”.
“Do Val” é seu nome artístico?
Não, é nome de registro mesmo. Moracy Ribeiro do Val, de origem portuguesa.
Renato Borghi, Célia Helena, Moracy do Val e Etty Fraser na peça “A Vida Impressa em Dólar”, em montagem do Teatro Oficina. Foto de Fredi Kleemann
Em que momento você deixa o jornalismo para ser produtor de shows e teatro?
Eu não deixei o jornalismo para ser produtor. Eu sempre toquei tudo paralelamente, e uma coisa ajudava na outra. Eu nunca saí do NP, por exemplo: fiquei lá até o fechamento. Foi o jornal que fechou; não fui eu. Eu continuo aberto [risos], tenho meu crachá de funcionário da Folha até hoje. Eu sempre produzi shows musicais, desde quando estava no Última Hora. Produzia o Noites de Bossa, no Teatro de Arena, onde lancei um monte de gente boa: Chico Buarque, Baden Powell, Paulinho Nogueira, Toquinho. Um dos meus sócios neste projeto era o Franco Paulino, que era um grande crítico carioca de música.
Sem deixar de ser jornalista?
Claro! Era a minha coluna que alimentava esse movimento da chamada Bossa Paulista. Com a aprovação do Vinícius de Moraes, eu usei aquela frase dele, que dizia que São Paulo era o túmulo do samba, para criar polêmica, para ir contra ele, dizendo que São Paulo também era boa de samba, mas tudo combinado entre a gente. Vinha muita gente boa se apresentar no Noites de Bossa: Tamba Trio, Zimbo Trio, Sambalanço (do César Camargo Mariano, também lançado pela gente), Theo de Barros, Geraldo Vandré, Manfredo Fest , Pedrinho Mattar… e vinha o pessoal do Rio também, como o Ary Toledo, que estourou com a música Pau de Arara, mais conhecida como Comedor de Gilette, que era uma composição que o Carlos Lyra e o Vinícius de Moraes fizeram para o musical Pobre Menina Rica. A noite paulistana fervia naquela época. Na Rua Major Sertório tinha um bar chamado João Sebastião Bar, fundado pelo crítico musical Paulo Cotrim, onde tocava um monte de gente boa. O nome era tão bom, João Sebastião Bar, que logo depois, lá pertinho, abriram o Frederico Chopinho [risos]. Foi no João Sebastião que eu encontrei o Vinícius de Moraes e nós conversamos sobre esta história de São Paulo ser o túmulo do samba.
Como surgiram os Secos & Molhados?

No Última Hora eu fiz amizade com o excelente crítico de teatro João Apolinário, que era um daqueles jornalistas portugueses que vieram trabalhar no Brasil, fugindo da ditadura Salazar. Uma noite, por volta das 11 horas, eu estava saindo do Teatro Ruth Escobar, onde tinha ido ver a peça A Viagem, e encontro o João Ricardo, filho do João Apolinário. E o João Ricardo me convida para dar uma passada no “Café da Badalação & Tédio”, uma espécie de Café Concerto que a Ruth Escobar havia montado, para eu assistir ao show do grupo musical dele, que começaria à meia-noite. Eu fui. E ali conheci o grupo, que já se chamava Secos & Molhados, formado pelo João Ricardo, Gerson Conrad e agora também por um rapaz chamado Ney Matogrosso, que eu tinha acabado de ver, interpretando um português de bigodão, na peça A Viagem. João Ricardo já tinha o grupo com este nome, mas sem o Ney. Quem apresentou o Ney ao João foi a Luli, parceira dele na música O Vira. Então estavam no palco os três integrantes do Secos & Molhados, acompanhados de grandes músicos como Marcelo Frias, Willy Verdaguer e outros. Bom, quando eu vi o show deles, eu enlouqueci. Imediatamente percebi que aquilo poderia ser um grande sucesso. Eles já tinham uma fita demo que já havia sido recusada pela RCA, pela Odeon e em outras três ou quatro gravadoras. “Eu vou produzir estes caras”, pensei. Na época eu dirigia o Curtisom, que era um jornal interno promocional da gravadora Continental. Quem me levou pra lá foi o Walter Silva, o Pica-Pau. E a Continental tinha um contrato com a Kinney, que era um braço da Warner, e estava fazendo contratos com vários astros internacionais. Levei a fita e a Continental topou. Eles tinham um estúdio de quatro canais no bairro do Paraíso e foi ali que eu produzi o primeiro disco do Secos & Molhados.
Que já saiu com uma capa antológica!
A famosa capa com as cabeças dos integrantes do grupo sendo entregues numa bandeja foi produzida pelo Antonio Carlos Rodrigues, sobrinho do Nelson Rodrigues. Ele tinha feito para a rede de lojas Fotoptica uma foto neste mesmo estilo, com uma bandeja de festa de casamento, e reaproveitou a ideia.
Aí o disco estourou…
Não, não é assim… eu fui atrás para fazer as coisas estourarem [risos]. Acho que o meu maior mérito foi simplesmente não ter deixado ninguém atrapalhar a criação do Secos & Molhados, que vieram com as músicas todas prontinhas. Eu falei: “Ninguém mexe em nada”. Fizemos o disco em apenas 36 horas, apenas quatro dias, num estudiozinho de quatro canais. E qual o problema de fazer em quatro canais? Nenhum. O Chega de Saudade, do João Gilberto, que mudou a história da música brasileira, foi feito num estúdio de dois canais. Mas tinha de fazer todo o trabalho para o grupo estourar. A estratégia foi primeiro, antes do disco sair, fazer vários shows no Teatro Aquarius, que não me custava nada porque eu era um dos sócios, junto com o Altair Lima. Fizemos então apresentações no Aquarius, mas misturando o Secos & Molhados com outros grupos. Dava uma média de 200 a 400 pessoas por apresentação. Daí eu aluguei o Teatro Itália para que eles estreassem, sozinhos, exatamente no dia do lançamento do disco, uma sexta-feira. Antes disso, naquela mesma semana, eles foram tocar no programa Clube dos Artistas, que fazia muito sucesso na televisão, comandado por Ayrton e Lolita Rodrigues. Quando chegou a sexta-feira, mais de 600 pessoas lotaram o teatro Itália. E daí pra frente, só casas lotadas. Colocávamos mil pessoas em teatros de 300 lugares era uma loucura, um sucesso enorme! Teve um show que literalmente parou o trânsito na Zona Leste da cidade: foi no Juventus, que fica no bairro da Moóca, onde tinha 100 mil pessoas querendo entrar. Travou a cidade. Quando eu senti o potencial, quando eu percebi no que o grupo poderia se transformar, eu fiz muito rapidamente uma agenda de shows que cobriu o Brasil inteiro em 20 dias. Mandávamos um caminhãozinho na frente levando a luz e os cenários, a equipe era pequena e tudo foi um sucesso muito grande. No Rio de Janeiro tocamos num programa que o Moacyr Franco tinha na Globo, paramos Copacabana numa temporada no Teatro Tereza Raquel, lotamos o Maracanãzinho, depois o Gigantinho em Porto Alegre, era uma loucura! E o engraçado é que o Ney Matogrosso, que fazia artesanato, pulseirinhas, estas coisas, quando estava em São Paulo ele continuava fazendo o trabalhinho dele, sentado no chão da Avenida São João, perto do Correio, vendendo os badulaques. E ninguém reconhecia, porque no show ele aparecia todo maquiado [risos]. Já o João Ricardo ia em todos os lugares, doido pra ser reconhecido, e por causa da maquiagem dos shows ninguém o reconhecia [risos]. O João sofria muito com o sucesso do Ney, por isso o grupo não deu certo por mais tempo. E o João é um autor genial, foi uma pena ter estragado a carreira por causa de ciúmes.
O sucesso durou quanto tempo?
Durou dois discos. O primeiro foi todo este sucesso. No dia do lançamento do segundo disco já teve briga, pois o João queria que o Ney fosse assalariado dele, que se dizia o dono do grupo e do nome “Secos & Molhados”. Eu já tinha armado uma temporada de shows no México, onde o primeiro disco tinha vendido 100 mil cópias, e foi tudo por água baixo. Uma história maravilhosa que acabou cedo por burrice.
Era um show de muita sensualidade. Houve problemas com a censura?
Bom, num dos primeiros shows que a gente fez fora de São Paulo, aqui perto, em São Caetano do Sul, um juiz quis proibir o espetáculo. Quem salvou a situação foi o neto do juiz, que ficou fã do grupo e pediu para o avô liberar. E liberou. Depois disso nunca mais tivemos problemas.
Nenhum problema com a censura federal?
Nada, nada. Fizemos até shows em Brasília, tivemos de fazer shows extras ali, deu tudo certo.
É verdade ou lenda que o grupo Kiss teria imitado o visual do Secos & Molhados?
Não sei se é verdade, mas é possível. No show que eu fiz com eles no Teatro 13 de Maio tinha um pessoal da Warner, que representava o Kiss, assistindo. Não sei…
E depois do término do Secos & Molhados?
Aí eu lancei Guilherme Arantes com o grupo Moto Perpétuo. O Guilherme vendia muito disco, porque suas músicas sempre entravam nas novelas da Globo. Também comprei dois circos, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, e nos dois eu montei o espetáculo Godspell, a partir do musical de Stephen Schwartz e John-Michael Tebelak que já vinha fazendo sucesso na Broadway desde 1971. Quem me assessorava em assuntos de circo era o grande ator e cômico Ankito. Em São Paulo montamos o Godspell com Antonio Fagundes, Sonia Braga, e uma menininha de uns 15 ou 16 anos que eu lancei chamada Lucélia Santos. O circo ficava no bairro do Bexiga, mas acabou não dando muito certo.
O dinheiro ganho com Secos & Molhados foi investido nos circos?
Não. Eu sempre falo que eu gastei metade com bebidas e mulheres, e a outra metade com bobagens [risos]. Mas é como diz um poema de Mário de Andrade, o apogeu já é uma queda. Depois daquele sucesso todo do Secos & Molhados não tinha mais como subir, como crescer.
Além de shows e musicais você também foi produtor de cinema.
Sim, eu produzi as duas versões do filme O Menino da Porteira, a primeira em 1975, com Sérgio Reis, e a segunda em 2009, com Daniel. Tudo começou porque eu era empresário do cantor Antonio Marcos, que eu já conhecia há algum tempo desde a época do Teatro de Arena. Um dia fui num clube na Serra da Cantareira, encontrei com o Antonio Marcos ali, e ele me apresentou o Antonio Carlos Raele, que era da Líder Cinematográfica, um dos maiores laboratórios brasileiros de cópias e revelações de cinema. Começamos a bater papo e o Raele me disse: “Eu tenho a ideia de transformar em filme a música O Menino da Porteira”. E eu disse: “Já sei quem pode ser o ator principal: Sérgio Reis”. Ligamos imediatamente para o Sérgio, que veio voando da casa dele em meia hora, dizendo: “Este filme vai mudar minha vida”. Convidamos então para a direção o Jeremias Moreira, que trabalhava como montador na LynxFilm e conhecia o Raele. Decidimos então, Raele, Jeremias, Antonio Marcos e eu, montar a Topázio Filmes, que levou este nome porque o Antonio Marcos tinha escritório na rua Topázio, no bairro da Aclimação. Me lembrei então da minha infância, em Pindorama, quando eu via caminhões e caminhões de gente chegando no cinema para ver os filmes de Mazzaropi, e pensei que fazer filmes para o público rural poderia ser um bom negócio. E realmente O Menino da Porteira fez uma excelente bilheteria. Só no Art Palácio, que era um dos maiores cinemas de São Paulo, ele ficou dez semanas em cartaz. Pena que fomos muito, muito roubados, principalmente no sul do país. Os dados oficiais falam em 3,5 milhões de espectadores em todo o Brasil, mas foi muito mais.
Roubados por quem?
Pelos próprios cinemas, que desviavam o dinheiro da bilheteria. Isso sempre foi assim. Mas independente disso o filme foi um grande acontecimento. Depois produzi Mágoa de Boiadeiro, novamente com Jeremias Moreira na direção e Sérgio Reis atuando; Chumbo Quente, com a dupla sertaneja Leo Canhoto e Robertinho; e O Milagre, com o cantor português. Roberto Leal. Estes filmes não chegaram a repetir o mesmo sucesso de O Menino da Porteira, mas também alcançaram bilheterias muito boas. Graças a estas experiências em produção, fui convidado para trabalhar na produtora do Lemos Britto, que fazia documentários e vídeos institucionais. Mas como não era muito fácil trabalhar com ele, acabei saindo e resolvi montar, junto com o Raele, a minha própria distribuidora, a Reserva Especial, que na época distribuía fitas de VHS de filmes, como já diz o próprio nome da empresa, especiais. Eu já tinha os meus próprios títulos para distribuir, e isso foi o meu começo. Depois distribuí filmes do Mazzaropi, do Teixeirinha, Ernest Lubitsch, Leni Riefensthal, vários clássicos, títulos brasileiros, muita coisa boa. O VHS deu muito certo, na época, mas a pirataria e a inadimplência das locadoras acabaram derrubando o negócio.
E mesmo assim você volta a produzir cinema com a refilmagem de O Menino da Porteira.
Sim, motivados pelo fato de São Paulo ter um contingente muito grande de pessoas do interior morando aqui, e também de nordestinos, refiz a parceria com Jeremias Moreira e, juntos, ele na direção e eu na produção, refizemos o filme em 2009, desta vez com o cantor Daniel no papel principal. São outros tempos, não conseguimos desta vez milhões de espectadores, mas passamos de 600 mil ingressos. Nesta área de produção há muitas histórias de sucesso e de fracasso. Ganha-se e perde-se muito dinheiro, a vida é assim mesmo. O que vale é o processo. Eu ganhei muito dinheiro… que gastei, volto a dizer, com mulheres, bebidas e bobagens, claro [risos].
https://doispontosblog.wordpress.com/entrevistas/moracy-do-val/ 

Nota do editor de Spin Cantor


Pesquisa acadêmica sobre o conjunto Secos & Molhados

http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF27/4_ARTIGO_Secos_e_Molhados_metafora_ambivalencia_e_performance.pdf

As tentativas de reedição dos S & M

https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/que-fim-levou-lili-rodrigues-do-secos-e-molhados

João Ricardo não autoriza uso de sua imagem em livro

https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2013/12/20/briga-entre-integrantes-do-secos--molhados-retalha-fotos-em-livro.htm



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